domingo, 25 de abril de 2010

Afogados no mar da informação

Sem desconsiderar a importância de fatores institucionais, políticos ou de outra ordem, a presença de objetos tecnológicos no cotidiano social é um determinante para o processo de configuração das sociedades modernas. O tecnicismo está cada vez mais presente, tanto nas relações sociais, quanto nas de consumo, norteando o comportamento das instituições políticas, sociais e econômicas. Muitos têm sido os que insistem nesta tese.

Em “Tempos Modernos” para citar um exemplo dos mais conhecidos no campo da arte, Charles Chaplin trata de forma crítica a questão do tecnicismo na sociedade moderna. A indústria, retratada de forma satírica no filme, abusa do valor dado às inovações científicas e a tudo o que é linear e simétrico no contexto temporal (a linha de montagem). Levado à exibção em 1936, é um filme mudo produzido após o surgimento do cinema falado, o que pode servir como exemplo de que a técnica deve ser vista como um meio e que não deve obscurecer o conteúdo. Ou seja, se o tecnicismo é um caminho, ao menos não é o único caminho. Chaplin demonstrou que a sensibilidade humana pode se dar através de formas simples e que a comunicação humana eficiente não requer, necessariamente, recurso tecnológicos sempre mais modernos. O cinema neste caso é significativo porque apesar da Segunda Guerra Mundial em si mesma representar uma prova, ou ao menos um indicador, das insuficiências das sociedades industriais modernas e da ideologia do progresso a qualquer preço, as críticas ao tecnicismo restringiam-se ao campo do conhecimento filosófico.

Nos anos seguintes às guerras, embaladas pelos recursos do plano Marshall para a reconstrução européia e pela próspera indústria norte-americana do entretenimento, as populações urbanas de todo o mundo aderiram à sociedade do consumo.

Através dos tempos o conhecimento sempre esteve relacionado ao poder e ao controle sobre as populações. Mas o conhecimento científico certamente tem ampliado essa possibilidade. Na verdade, a ciência moderna, - tanto pelas teorias quanto pelas suas obras - se mostra fechada ao senso comum que não a discute nem procura entender. Quando atualmente um estudante conecta-se a um site através do computador de sua escola ele nunca se pergunta sobre a infra-estrutura que torna esse procedimento possível, nunca questiona a lógica de tudo o que vê a sua volta. Mas também aquele que realiza um exame médico ou assiste a uma aula em uma escola técnica de informática jamais chega a questionar a validade do conhecimento pelo qual está pagando.

A confiança na tecnologia é quase cega e muito raros são os que a questionam. Porque o cientista ou o técnico - através de seus instrumentos e métodos - pode ver o que os olhos humanos não conseguem.

Na realidade, sequer o cientista ou técnico preparado são capazes de ler o que seus instrumentos estão captando. Eles necessitam de softwares especializados que realizam uma intermediação entre o que as máquinas de visão captam e o que o entendimento humano é capaz de discernir. A complexidade das informações geradas pelos instrumentos de monitoramento e medição é tão grande, que a análise dos dados gerados, bem como a tomada de decisões, torna necessária a utilização de outras máquinas.

A sociedade tecnocientífica precisa dos computadores para intermediar as relações obtidas através dos diversos equipamentos de monitoramento e produção de informações. Temos, por exemplo, os satélites meteorológicos que captam imagens através dos espectros luminosos infra-vermelhos e ultra-violetas, invisíveis aos olhos humanos. A interpretação destas informações precisa, primeiramente, de uma adequada tradução realizada por softwares específicos. Isto sem falar na necessidade de gerenciamento de um volume, sempre crescente, de dados produzidos pelas grandes organizações privadas e governamentais.

Então, vamos imaginar que estamos mergulhados no mar da informação e, naturalmente, usamos cilindros de oxigênio para respirar. Sem eles, os intermediários, morremos afogados.

sábado, 24 de abril de 2010

Azul ou vermelha?

Você prefere tomar a pílula azul ou a vermelha?
A vermelha? Então sigo escrevendo sobre tecnologia.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Técnicas e tecnologias

A evolução do conhecimento confunde-se com a própria história da humanidade, através de inter-relações complexas que definem a evolução de um e de outro. Mas é possível afirmar que a humanidade sempre esteve atrelada às suas técnicas. Nas áreas de pesquisa arqueológica, tão importantes ou mais que a existência de fragmentos de ossos ou esqueletos humanos, os antropólogos sempre estiveram em busca de ferramentas primitivas ou de provas de sua existência. Porque o ser humano se define também pelas técnicas que usa. No decorrer da longa história da civilização, através da observação atenta sobre os usos que se faziam das coisas da natureza, os homens foram desenvolvendo procedimentos e receitas que encurtavam os tempos necessários à realização de suas tarefas.

Se as técnicas fazem parte da alvorada da civilização, as tecnologias são mais recentes. Surgem da Revolução Científica e constituem saberes teóricos com aplicação prática. Um dos melhores exemplos, porque um dos primeiros a se transformar em instrumento científico, é a lente de aumento. Esta é um objeto técnico, conhecido desde os povos mais antigos. Já o telescópio é um objeto tecnológico porque surge a partir das leis científicas definidas pela ótica. O telescópio é científico porque sua construção pressupõe um saber científico e vai ser utilizado para a produção de mais conhecimento científico. Para substituir os sentido humanos, variáveis, falhos e insuficientes, surgem os instrumentos científicos.

A Revolução Industrial divide a história das civilizações em dois períodos. O primeiro é aquele no qual a produção econômica dependia de bases técnicas que evoluíam lentamente. O segundo, surge a partir da Revolução Industrial, com a produção econômica tornando-se estritamente vinculada aos avanços tecnológicos surgidos de tempos em tempos, proporcionando períodos de grande crescimento econômico.

A produção de tecnologias a partir da aplicação sistemática do conhecimento científico permitiu um rápido avanço nas forças produtivas e a própria expansão do sistema capitalista. O desenvolvimento da máquina a vapor e sua aplicação às indústrias e aos transportes foi uma etapa crucial no processo de expansão econômica, ocorrida a partir da Inglaterra, desde o século XVIII. Da mesma época, data a noção liberal de progresso, associada à superioridade do presente em relação ao passado e ao futuro como ideal a ser perseguido. A evolução da sociedade estaria associada ao aumento da capacidade produtiva e ao domínio sobre os elementos naturais. A Revolução Industrial inglesa apresenta ao mundo a lógica do progresso infinito, ainda que esse progresso representasse a exploração indiscriminada da natureza e do trabalho humano em favor de uma minoria.

Então é isso, progresso infinito, ainda que baseado na exploração indiscriminada da natureza e do trabalho humano em favor de uma minoria.

Muitos, dentre os quais me incluo, não toleram esta noção de desenvolvimento, onde a expansão econômica vincula-se apenas ao desenvolvimento tecnológico. É óbvio que a economia capitalista funciona como um turbilhão de permanente desintegração e mudança: um vortex fazendo com que tudo se desmanche no ar.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

O consenso tecnológico

“Se a verdade é o que é passível de verificação, a verdade da ciência contemporânea é menos a magnitude de um progresso que a extensão das catástrofes técnicas que provoca.
Impelida durante quase meio século à corrida armamentista da era da dissuasão entre o Leste e o Ocidente, a ciência evoluiu na perspectiva única da busca de desempenhos-limites em detrimento, da descoberta de uma verdade coerente e útil à humanidade.”

Paulo Virilio, A Bomba Informática. Ed. Estação Liberdade, São Paulo: 1999.

A alusão à ciência é um fato antigo tanto no cinema quanto na literatura. Filmes como Metrópolis, de Fritz Lang e Viagem à Lua, de Georges Méliès, ainda nas primeiras décadas do século XX, inauguraram as referências à tecnologia no cinema. Com a literatura ocorreu o mesmo, e ainda antes, com clássicos de grande destaque, como Frankenstein de Mary Shelley, e as inúmeras ficções de Júlio Verne, que incorporaram aos seus livros as narrativas de forte apelo científico.

Atualmente, são comuns os discursos que insistem que o cotidiano está sendo invadido pelos objetos e serviços de cunho marcadamente tecnológico. A tecnologia aparece cada vez mais com um dos principais traços da sociedade contemporânea e sua presença nos meios de comunicação é muito importante. Os principais representantes da tecnologia no senso comum, certamente são objetos que de alguma forma incorporam a utilização de informações ou dados. Da Internet ao telefone celular, passando pelos ipods e ipads, muito do que é considerado tecnologia faz parte do campo da comunicação.

Os conhecimentos científicos, especialmente aqueles relacionados com a informática, estão presentes em todas as partes e alteraram as formas como as sociedades se organizam. A flexibilidade sistêmica dos novos processos produtivos baseados no pós-fordismo está reorganizando os territórios, transferindo fábricas, eliminando empregos, criando novos produtos e proporcionando a formação de novos comportamentos. Determinadas áreas urbanas ganham dinamismo, outras entram em processo de estagnação. Uma série de mudanças estão ocorrendo no mundo inteiro relacionadas às novas tecnologias.

A interpretação deste processo, a expansão das tecnologias pelas sociedades contemporâneas, encontra vozes dissonantes. Alguns, como Pierre Levy, consideram a difusão das novas tecnologias como um meio eficaz para se proporcionar a democratização das sociedades.
Por outro lado muitos autores encaram o tema de uma forma muito pessimista, quase apocalíptica. Paul Virilio é um dos que alertam para os riscos inerentes a subordinação excessiva dos processos produtivos e sociais à determinação tecnológica.

O que, a princípio, parece impossível negar é que existe um consenso, uma unanimidade, quanto ao fato das novas tecnologias serem extremamente importantes nas sociedades contemporâneas. Tal premissa encontra crédito nos diversos setores da sociedade. Tanto as universidades quanto as grandes corporações econômicas e o senso comum produzem inúmeros discursos envolvendo diretamente o conhecimento dito tecnológico.

Bem, é preciso desconfiar das unanimidades. Como disse Nelson Rodrigues, elas são estúpidas.

terça-feira, 20 de abril de 2010

O céu de Betelgueuse

Betelgueuse, o ombro do caçador, tem a cor vermelha de marte e localiza-se em 28° 53' de Gêmeos, o que a aproxima de mercúrio. Como é uma estrela muito brilhante, a tradição tende a lhe considerar benéfica, mas pode ser mais claramente associada à guerra com inteligência. Sua localização no céu de uma pessoa é presságio de riqueza obtida através de um combate justo, ou honras militares. Corpo atlético, forte, competitivo, veloz, que vence com o uso de estratégia. Agitação e ansiedade com os problemas imediatos, mas que pensa antes de agir, especialmente, se conjunto ao ascendente.

A guerra e os combates são presságios naturais de Betelgueuse quando em conjunção com o sol. Alexandre derrotando Dario, rei da pérsia. A honra e os títulos podem vir apenas após a ruína e a morte. A febre de viver e de morrer.

Com a lua é muito interessante, porque se desenvolve um espírito turbulento e rebelde que pode favorecer o combate. A lua não é óbvia como o sol, tem a força da água, e modera a energia febril de Betelgueuse. Creio que é maior a possibilidade de poder e honra durante a vida.

Ao lado de mercúrio, uma incontida vocação para o estudo, a ciência, a literatura, as relações profícuas. É quem escreve sobre a Guerra. Mas há de ser agitado demais, sem a habilidade dos arianos. Acidentes, acidentes, acidentes.

Em conjunção com marte, risco irremediável. Líder natural nas situações difíceis. Fogo e aço.

Com Vênus, não combina. Problemas com a família e no casamento porque valoriza a razão e as ações em detrimento das coisas do coração. Pode ser um hábil artífice, um incrustador de cristais, ourives e lapidador.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Betelgeuse no céu de um general

EL ENEMIGO GENEROSO

Magnus Barford, en el año 1102, emprendió la conquista general de los reinos de Irlanda; se dice que la víspera de su muerte recibió este saludo de Muirchertach, rey en Dublin:
Que en tus ejércitos militen el oro y la tempestad, Magnus Bardfor.
Que mañana, en los campos de mi reino, sea feliz tu batalla.
Que tus manos de rey tejan terribles la tela de la espada.
Que sean alimento del cisne rojo ellos que se oponen a tu espada.
Que te sacien de gloria tus muchos dioses, que te sacien de sangre.
Que seas victorioso en la aurora rey que pisas a Irlanda.
Que de tus muchos días ninguno brille como el día de mañana.
Porque ese día será el último. Te lo juro, rey Magnus.
Porque antes que se borre su luz, te venceré y te borraré, Magnus Barfod.
Del Anbang zur Heimskringla(1893), de H Gering.-Jorge Luis Borges

domingo, 18 de abril de 2010

Capim de Ribanceira

Capim de Ribanceira
Almir Sater


É madrugada e eu na beira da estrada
A lua cheia e minguada e de repente
Apareceu um cavaleiro de bota e chapéu de couro,
Me lembrando o velho mouro
E lá fiquemos ele e mais eu,
Cruzou os pés, apiou do seu cavalo,
Deixou a rédia num talo de uma roseira sem flor
Diz que seguia pelo mundo solitário e
Quebrava todo galho apartando a dor

Quem não ouviu falar,
Quem não quis conhecer
Aquele cavaleiro que vive pelas fronteiras
Divulgando a reza brava do
Capim de ribanceira

Enquanto o bule de café bulia
A brasa da fogueira refletia o seu olhar
Eu pude ver que ele sabia coisa até do outro mundo e
Essa noite eu fui aluno do seu estranho poder
Com sete pontas de uma rama trepadeira e uma
Arruda e a piteira
O meu corpo ele tocou
Naquele instante me bateu uma zonzeira e
Duma tosse cuspideira o velhinho me livrou

E quem não ouviu falar
Quem não quis conhecer
Aquele cavaleiro que vive pela fronteira
Divulgando a reza brava do
Capim de ribanceira


Desde que descobri Don Juan de Carlos castaneda eu quis conhecer alguém assim. Não o encontrei. Se passei por ele, não o reconheci. Quase esqueci o que desejava.

sábado, 17 de abril de 2010

Jagunços e pistoleiros

Existem alguns paralelos interessantes que podem ser construídos entre a ocupação do oeste dos EUA e a do oeste brasileiro.

A ocupação dos EUA também começou pelo litoral do Atlântico e se expandiu em direção as áreas planas do interior. Em ambos os casos surgiram espaços onde o poder do Estado não se fazia presente. Tanto nos EUA quanto aqui o far west e o sertão correspondem a fase de incorporação do território em que o publico e o privado se confundiram , mais ou menos na mesma época, fim do século XIX e início do século XX.

No faroeste americano os proprietários particulares se armaram para garantir a posse de suas terras, surgiu a figura mítica do xerife responsável pela aplicação da lei nos núcleos de povoamento que surgiam isolados. No Sertão brasileiro é emblemática a figura do jagunço contratado pelos grandes proprietários para o exercício do poder pessoal. O jagunço, como os personagens do far west, eram homens definidos pela força e pela valentia fundamentais ao ambiente inóspito tanto pela natureza quanto pela ausência da lei.

No Brasil, como os jagunços existem os cangaceiros. Os últimos diferem dos primeiros por não estarem a soldo de grande proprietário algum, a exemplo de Lampião. Eram grupos errantes que adotaram o estilo de vida livre próprio do jagunço e agiam de forma peculiar, por vezes invadindo cidades e, quase sempre, desafiando a autoridade.

Nos Estados Unidos o fim do far west decorreu da expansão das ferrovias transcontinentais e da conseqüente incorporação produtiva do espaço. Aqui é mais recente, e o golpe final foi dado pelas rodovias.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

O caçador


Orion, Petrópolis, 15/03/2010

"Podes atar os laços das Plêiades, ou desatar as cordas de Órion?
Podes fazer sair a seu tempo as constelações, ou guiar a Ursa com seus filhos?
Conheces as leis do céu, e determinas suas funções sobre a Terra?"
Jó, 38 v. 31-33
Órion é uma constelação muita conhecida, alguns povos antigos a chamava de "O Caçador". O quadilátero externo representa a forma de um caçador, com as três estrela ao centro formando seu cinturão, ou como nesta passagem de Jó, "as cordas de Órion". Para nós, as três estrelinhas do centro são as Três Marias.
Para a astronomia importam as relações de causa e efeito, os efeitos gravitacionais de uma estrela em relação as outras, as consequências dos fluxos de energia estre os corpos celestes. Os nomes são simplificações baseadas em argumentos verificáveis. Betelgeuse, por exemplo, é chamada de Alfa Orion, a estrela mais brilhante da constelação de Órion, mesmo que para nós a mais brilhante seja Riegel, chamada Beta Orion. O que ocorre é que a luz infravermelha de Betelgueuse não é percebida pela nossa visão.
Para os povos antigos, as contelações tinham significados muito específicos. Havia o plano terreste e havia o plano estelar, assim na terra como no céu. Buscava-se uma correspondência entre o momento de um fato na terra e a configuração das estrelas no ceu, ou seja, a sincronicidade. Particularmente importante eram os planetas, porque ao contrário das estrelas, não têm posicionamentos fixos, mudando continuamente de lugar.
O Caçador era muito mais que uma constelação, tratava-se de um mapa para os dias que se seguiriam.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Betelgeuse

Betelgeuse é a estrela vermelha da constelação de Órion e uma das mais brilhantes do firmamento. Para Localizá-la é só achar as Três Marias, que ficam no centro do trapézio de Órion. Em volta existem 4 estrelas muito brilhantes e Betelgueuse é a que fica do lado direito, na parte de cima.

terça-feira, 13 de abril de 2010

as estrelas e o sertão sem fim

Em uma peça de Sartre, o Diabo e o bom Deus, um personagem fala o seguinte: "as estrelas são furinhos na cortina da noite, através das quais os deuses observam as intimidades dos casais".

Quando eu era criança, lá pelos meus 6 ou 7 anos, tive pela primeira vez a percepção de quem está do outro lado e olha para a as estrelas. Meu pai falou que o universo era infinito e eu perguntei: mas como, tudo tem fim, não é?

Quem olha a noite estrelada sem tamanho do sertão fica espantado e pergunta-se como é possível. E aquele que realiza a observação atenta, noite após noite, sente-se verdadeiramente instigado pela curiosidade. Existem as estrelas, fixas em relação umas as outras, os planetas que são como as estrelas mas sempre em um ponto diferente do céu, e as estrelas cadentes, verdadeiro presente para a imaginação.

Através dos tempos, a observação do ceu tem sido um importante elo de ligação entre o ser humano e o sobrenatural. Os deuses existem desde que o primeiro homem se encantou pelas estrelas.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

O tempo do relógio e o tempo da natureza

A vida no sertão segue os ciclos do tempo natural: a hora de dormir, acordar, seguir cavalgando, tocar a boiada, plantar, colher, nadar, brigar, amar.
A Revolução industrial inventou o tempo. A primeira das máquinas criadas foi aquela destinada a marcar o tempo. O tempo rítmico das máquinas precisou ser acompanhado pelos operários, agora coisificados. O feitor dos homens que operam as máquinas é o relógio.
O tempo de entrar na fábrica, de almoçar, de sair, de acordar, de pegar o trem. Tempo de tudo.
Quem vive na cidade é manipulado pelo tempo. O relógio está no pulso, no celular, no rádio, em todo lugar. Para onde se olhar lá estarão os ponteiros do tempo digitalizado.

Você já experimentou pegar uma motocicleta, aprontar uma mochila, escolher uma direção e saír? Bem, o melhor da viagem de motocicleta é justamente esquecer o relógio. Nem sequer ponteiro de combustível para dizer quando parar, apenas o bom senso e a própria vontade.

domingo, 11 de abril de 2010

O que há com o sertão?

Ele está desaparecendo sob o manto verde da soja , o principal produto de exportação da agricultura brasileira e também o elo principal de uma cadeia produtiva extremamente promissora.
No início década de 1970, a Embrapa desenvolveu uma série de cultivares de soja adaptados as condições tropicais do cerrado, bem como os procedimentos para a correção dos solos ácidos. Desde então, a abundância de terras baratas e as linhas de crédito especiais atraíram milhares de pequenos e grandes empresários rurais do centro-sul para a nova fronteira agrícola que inclui o centro-oeste, o norte de Minas, oeste da Bahia e Maranhão. Fazendas de soja brotaram por todos os lados. Junto com elas estão as indústrias de processamento, fábricas de rações, granjas, frigoríficos e cidades. Produção e consumo gerando fluxos migratórios e progresso. A maioria dos brasileiros desconhece o crescimento vertiginoso associado à agricultura brasileira. Mas é fato. As áreas planas do Brasil central, suas chapadas sulcadas por incontáveis rios estão sendo ocupadas pela agricultura moderna altamente capitalizada. É o fim do sertão.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

O fogo

Você já fez uma fogueira? A arte distintiva da humanidade, que permitiu o pão, a cerâmica e o calor no frio; o instrumento da luz e da palavra.
Você já fez uma fogueira para espantar o frio, fazer um chá e conversar com os camaradas no meio da trilha? O mais provável é que não. Os parques nacionais proíbem. Tem que usar mesmo é o fogareiro à benzina, gás, ou o que seja. Gente demais para consumir a madeira morta disponível nos pontos de acampamento. Os parques estão certos,é óbvio.
O que eu sugiro é a fuga dos parques nacionais e a procura pelas trilhas marginais, fora dos roteiros, onde impera a humanidade com seus vínculos ancestrais. Encontre então o bom lugar para passar a noite, cate a lenha e faça o fogo.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

O sertão e a cidade

Fazenda Pé do Morro, Santa Clara, norte de Minas Gerais. Foto de Dezembro de 2008


Dizer que a cidade é o avesso do sertão certamente é um erro conceitual. Não importa, é o que penso.
A cidade é a estrada, o sertão é a vereda
A cidade é relação, o sertão é paixão
A cidade é novela das oito, o sertão é prosa ao pé do fogo
A cidade é balada, o sertão roda de viola
A cidade é música sertaneja, o sertão é moda de viola
A cidade é pura tecnologia, o sertão é técnica crua
A cidade é o tempo do relógio, o sertão é o tempo da natureza
A cidade é a pressa, o sertão é a calma
A cidade é complexa, o sertão é simples
A cidade é sofisticada, o sertão é elaborado
A cidade é a lei, o sertão a justiça
A cidade é produção em massa, o sertão o artesanal
A cidade é o metrô, o sertão o trem de ferro
A cidade é o erotismo, o sertão a sensualidade
A cidade é libra, o sertão é Áries
A cidade é concreta, o sertão é abstrato
A cidade é a ciência, o sertão é a sabedoria popular
A cidade é a moda, o sertão é a tradição
A cidade é a metamorfose, o sertão é permanencia
A cidade é o controle, o sertão a liberdade
A cidade anestesia, o sertão sente dor
A cidade excede, o sertão carece
A cidade é a proximidade, o sertão é a distância
A cidade é o microondas, o sertão o fogão de lenha
A cidade é o plástico, o sertão é o couro
A cidade é atual, o sertão é histórico
A cidade é global, o sertão universal
A cidade é leve e adequado, o sertão pesado e eficaz
A cidade são os fluxos, o sertão são os ciclos
A cidade é a simetria e a ordem, o sertão é o equilíbrio no caos
A cidade são as retas, o sertão as irregularidades curvilíneas
A cidade são as luzes, o sertão as estrelas
A cidade convence, o sertão inspira
A cidade é o preto e o branco, o sertão são as nuances
A cidade é a causa e o efeito, o sertão é a sincronicidade
A cidade é a relação probabilística, o sertão é a vontade de Deus
A cidade é o bem e o mal, o sertão vai do bem ao mal e retorna
A cidade é uma realidade concreta irreversível, o sertão pura imaginação
A cidade é o outro, o sertão sou eu

terça-feira, 6 de abril de 2010

Na visão de Guimarães Rosa

O sertão é, pois, mais gente do que mato.

"O senhor ri certas risadas... Olhe: quando é tiro de verdade, primeiro a cachorrada pega a latir, instantaneamente - depois, então, se vai ver se deu mortos. O senhor tolere, isto é o sertão. Uns querem que não seja: que situado sertão é por os campos-gerais a fora a dentro, eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucuia. Toleima. Para os de Corinto e do Curvelo, então, o aqui não é dito sertão? Ah, que tem maior! Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador; e onde criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho da autoridade. O Urucuia vem dos montões oestes. Mas, hoje, que na beira dele, tudo dá - fazendões de fazendas, almargens de vargens de bom render, as vazantes; culturas que vão de mata em mata, madeiras de grossura, até ainda virgens dessas lá há. O gerais corre em volta. Esses gerais são sem tamanho. Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães é questão de opiniães... O sertão está em toda a parte."

Guimarães Rosa. Grandes Sertões Veredas. 14. Ed. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1980

segunda-feira, 5 de abril de 2010

O que é o Sertão

Sertão é o mato, o meio rural afastado e de difícil acesso. É denominação geral para diversas regiões brasileiras, umas bem grandes, outras bem pequenas. É um pequeno bairro de Petrópolis, chamado Sertão do Carangola, e também uma vasta região que inclui territórios dos atuais Estados de Goiás e Tocantins, compreendendo as bacias de diversos rios, como o Paraná. Ou, o Sertão dos Confins, área que vai desde o Triângulo Mineiro até as proximidades Paracatu.

É ainda termo comumente usado para definir o bioma correspondente a área da caatinga, no Nordeste Brasileiro. Neste caso, associa-se sertão à seca. Bioma é um espaço homogêneo sob o ponto de vista ambiental, é um sistema natural em que o solo, clima, relevo, fauna e demais elementos da natureza interagem formando tipos semelhantes de cobertura vegetal. O Sertão é mais que isso.

Sertão é o lugar do sertanejo, do jagunço, do cavaleiro, do peão e também do violeiro. É o palco de encenação de grupos políticos locais, formados por grandes proprietários de terras que estabelecem as regras de conduta para todos os setores sociais, inclusive a polícia, a igreja e o poder legislativo. Sertão é lugar de conflitos sociais entre populações tradicionais e estruturas de poder.

Sertão é mais da metade do Brasil. É a área que, com toda a imprecisão, compreende quase todo o estado de Minas Gerais, excluindo-se a Zona da Mata Mineira, divisa com os estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Bahia; todo o Nordeste, excluindo a zona da mata e a e a margem esquerda do rio Parnaíba; é a área que vai de Mato Grosso do Sul ao Norte de Mato Grosso e Norte do Tocantins.

O sertão é um imenso território que não se identifica propriamente pelo clima, relevo ou pela vegetação, sempre muito diversificados em todo o núcleo do Brasil central, mas por localizar-se
distante do mar. Todo o território brasileiro que, originalmente, não era constituído florestas tropicais impenetráveis pode ser chamado sertão.

Em tempos que não voltam mais, quando tudo era floresta, as estradas eram veredas e as distâncias medidas em dias, os cerrados e as caatingas eram os caminhos naturais por todo o interior sem fim do Brasil. Sertão é a paisagem arbustiva aberta o suficiente para permitir a passagem do homem e seu cavalo cobertos de couro e coragem.

O cerrado é uma savana tropical, uma formação na qual o estrato de árvores e arbustos coexiste com o da vegetação rasteira formada essencialmente por gramíneas. É uma formação vegetal especificamente brasileira, bastante distinta das savanas africanas. Se for fechada demais é chamada cerrado ou cerradão, se muito aberta, marcada pelas gramíneas, é então denominada campo limpo. O cerrado é paisagem própria do clima tropical com uma estação seca. Se o período anual seco for grande demais, então surgem as caatingas, o tal sertão nordestino.

Da Serra da Canastra em Minas ao Planalto da Borborema em Pernambuco, da serra de Maracaju em Matogrosso do sul a Chapada dos Parecis em Rondônia, da Serra formosa em Mato Grosso a Chapada do Araripe no Ceará, da tua razão a minha fantasia, o sertão é grande demais.

domingo, 4 de abril de 2010

Fale-me do sertão

Profanação do sagrado em Conceição do Ibitipoca, MG. Foto de abril de 2009


Sertão é um lugar. Paisagem antiga, que vem desde sempre. Lugar em sentido amplo, incluindo os elementos naturais e os surgidos com as interações humanas, desde antes da chegada dos conquistadores portugueses. O sertão é clima, é relevo, é rio, é sucuri, é gado, são artes e usos, é estado de espírito. Sertão é direito natural, é faca, é algibeira, fogueira, é o diabo na rua no meio do redemoinho .

Sertão é caminho que começa e não tem mais fim. Sertão é o caminhante que dá um passo após o outro prá chegar a seu destino, seja ele qual for. Como disse anteontem, sertão sou eu, que sigo para não sei onde após aquelas montanhas lá bem longe.

Mas eu sei onde estou e até onde minhas vistas e meu pensamento, limitado, alcança. E descrevê-lo é o que pretendo aqui, neste blog. Coisa estranha esta última palavra, este instrumento de comunicação, que parece não combinar com o objeto deste trabalho. Bem, não se trata de uma incompatibilidade terminal, é coisa do dito cujo mesmo.... Deus tenha piedade desta alma rendida pela modernidade.

Nas próximas postagens vou explicar o que é o sertão.

sábado, 3 de abril de 2010

Tem mais não

O coco do buriti. Guaraciama, MG. Fotografado em julho de 2009

Guimarães Rosa não escreveu Grandes Sertões apenas com elementos de sua imaginação. O texto é fruto de suas excursões pelos cerrados do norte de Minas, Goiás e Mato Grosso nas décadas de 1940 e 1950. A mais conhecida é a que fez em companhia de Manuelzão, pelos sertões de Mato Grosso. Ele molhou os pés nas Veredas, comeu buriti com farinha e conversou, conversou, conversou.


Hoje, arrisco afirmar que um feito literário como Grande Sertões não é mais possível. O Sertão não existe mais. Minha geração foi a última a conviver com coisas próprias dos lugares específicos do mundo, foi a última a explorar. O que há é a indústria, inclusive esta a que recorro, capaz de levar um resumo de tudo a todos. Não é uma crítica, apesar de ser uma nostalgia. O sertão está do lado de dentro, o infinito pessoal.

E a respeito, a letra de Almir Sater....

Peão

Almir Sater
Composição: Almir Sater e Renato Teixeira

Diga você me conhece
Eu já fui boiadeiro
Conheço essas trilhas
Quilômetro, milhas
Que vem e que vão
Pelo alto sertão
Que agora se chama
Não mais de sertão
Mas de terra vendida
Civilização

Ventos que arrombam janelas
E arrancam porteiras
Espora de prata riscando as fronteiras
Selei meu cavalo
Matula no fardo
Andando ligeiro
Um abraço apertado
E um suspiro dobrado
Não tem mais sertão

Os caminhos mudam com o tempo
Só o tempo muda um coração
Segue seu destino boiadeiro
Que a boiada foi no caminhão

A fogueira, a noite
Redes no galpão
O paiero, a moda,
O mate, a proza
A saga, a sina
O causo e onça
Tem mais não

Ô peão....

Tempos e vidas cumpridas
Pó, poeira, estrada
Estórias contidas
Nas encruzilhadas
Em noites perdidas
No meio do mundo
Mundão cabeludo
Onde tudo é floresta
E campina silvestre
Mundão "caba" não

Sabe que "prum" bom viajante
Nada é distante
"Prum" bom companheiro
Não conto dinheiro
Existe uma vida
Uma vida vivida
Sentida e sofrida
De vez por inteiro
E esse é o preço "preu" ser brasileiro

sexta-feira, 2 de abril de 2010

O Sertão

Sempre vivas nos campos de altitude da Serra do Cabral, município de Joaquim Felício, MG.
Julho de 2008.

O sertão está em toda a parte, mas seus caminhos só posso encontrá-los dentro de mim.
Grandes Sertões Veredas é o que há de mais bonito na literatura brasileira, é o que de mais significativo já li. Pensamentos que rodeiam, rápidos, velozes, duros, secos.

Então o sertão sou eu.