domingo, 18 de novembro de 2012

Sobre o texto “Alianças para a liberdade” e a relação entre a psicologia e o direito


“Não há possibilidade nenhuma de cadeia ser humanizada: toda cadeia, por melhor que seja – claro que nenhuma delas precisava ser tão ruim quanto é – em termos de condições materiais objetivas, vai ser sempre alguma coisa radicalmente desumana e massacradora da pessoa humana” Sérgio de Souza Verani, “Alianças para a liberdade”.

Birdy, de Alan Parker, lá nos longínquos anos 80, é a história de dois amigos, Al e Birdy, que se reencontram num manicômio do exército após uma temporada no inferno. O primeiro, com o corpo desfigurado pela guerra, procura reencontrar a própria humanidade; o segundo, em torpor catatônico, acredita ser um pássaro e passa os dias empoleirado sobre a cabeceira da cama olhando para uma nesga de céu pela pequena janela. O filme relata suas vidas em flashback e a forma verdadeiramente poética como Al e Birdy vão se encantar e se libertar. O direito e a psicologia estão no filme porque o manicômio é o lugar dos que agem sem a razão, sem as raízes plantadas no convencional. E é a assim que Al procura ajudar o amigo Birdy a sair de seu torpor e a falar qualquer coisa, ou ao menos mexer os olhos, manear a cabeça, reagir de qualquer jeito. Desesperado, desesperançado, como última tentativa leva o amigo a uma fuga claramente destinada ao insucesso.

Gostaria de dizer que a relação entre a psicologia e o direito é a mesma que há entre a liberdade e a justiça, mas não é o caso. Nunca é o caso. O objeto da ciência não é o ser humano, mas o conhecimento em si. A ciência é metalinguística. O direito surge nas cidades para enquadrar o indivíduo nas normas (que surgem para guardar a ordem necessária para se evitar o caos social e possibilitar a expansão das forças produtivas), a psicologia igualmente. A doença mental é um fato relacional: os loucos incomodam os sãos, os que trabalham. Direito e psicologia se complementam, loucos vão para as cadeias. Cadeias-manicômios, cadeias-medidas sócio-educativas, cadeias-escolas, cadeias-prozacs, cadeias-programas de televisão, cadeias-cadeias. No academicismo monolítico reinante, o direito não busca a justiça, a psicologia não busca a liberdade: ambos são instrumentos, entre as outras ciências, que a superestrutura utiliza para tornar viável a vida nas cidades.

O velho paradigmático problema de sempre é que o direito e a psicologia querem colocar pessoas, em classes pré-estabelecidas de situações problemas. Preto no branco. Somos hollywoodianos em nossas categorias, queremos super heróis e vilões (mas não como o Coringa de Heath Ledger, prá não haver confusão). O delegado e o promotor precisam dos tipos penais; o psicólogo e o psicopedagogo precisam da química e dos divãs. Ambos resolvem as questões práticas que atravessam a porta, pacificam a cidade e dão paz as almas.

O que fazer com moça bipolar, com o depressivo das grandes profundidades, com aquele que sofre do espírito?

O que fazer com o assassino, com o estuprador, com o desviado de tudo dono de todas as vontades?

Nesses casos é fácil: remédio e cadeia.

E o que fazer com o menino infrator? E com aquele que se desviou da norma empurrado pela paixão, pela fome ou pela razão? O que fazer com aqueles que não são nem tão loucos nem tão criminosos?

“Ora, faça-se a mesma coisa. Foda-se.” É o que diz a sociedade, que deseja a paz.

Aproximar a psicologia do direito é apenas fortalecer o aparato repressor da cidade, lugar de muros cada vez mais altos.

Você já assistiu Birdy? Bem, há um jeito de pular o muro.