segunda-feira, 31 de maio de 2010

No céu, as tangerinas

Salina em Praia Seca, Araruama, RJ, julho de 2008

Lucy In The Sky With Diamonds

Picture yourself in a boat on a river
With tangerine trees and marmalade skies
Somebody calls you, you answer quite slowly
A girl with kaleidoscope eyes

Cellophane flowers of yellow and green
Towering over your head
Look for the girl with the sun in her eyes
And she's gone

Lucy in the sky with diamonds
Lucy in the sky with diamonds
Lucy in the sky with diamonds

Follow her down to a bridge by a fountain
Where rocking horse people eat marshmallow pies
Everyone smiles as you drift past the flowers
That grow so incredibly high

Newspaper taxis appear on the shore
Waiting to take you away
Climb in the back with your head in the clouds
And you're gone

Lucy in the sky with diamonds
Lucy in the sky with diamonds
Lucy in the sky with diamonds

Picture yourself on a train in a station
With plasticine porters with looking glass ties
Suddenly someone is there at the turnstile
The girl with kaleidoscope eyes

Lucy in the sky with diamonds
Lucy in the sky with diamonds
Lucy in the sky with diamonds

Lucy in the sky with diamonds
Lucy in the sky with diamonds
Lucy in the sky with diamonds

Ouvi essa música pela primeira vez na voz do Elton John e, é claro gostei demais. Na adolescência fazer poesia e namorar eram quase a mesma coisa. A música dos Beatles fazia todo o sentido.

Havia uma versão desta letra traduzida por mim ou por alguém (o tempo apaga as autorias) da qual gostava muito, cuja primeira estrofe a queria mais ou menos assim:

“Olhe prá si mesmo como se estivesse em um barco num rio
Sob nuvens de tangerina e um céu de marmelada
Alguém te chama, responda lentamente,
É uma garota com olhos de caleidoscópio”


Imaginava como seria uma nuvem de tangerina, se teria cheiro, se seria mais pesada que ar, se teria a cor da tangerina. E os olhos de caleidoscópio, como seriam?

Mais tarde descobri que nuvens de tangerina podem ser vistas mesmo sem a leve substância divina. Mas é preciso acordar cedo e estar nas montanhas ou no mar, quando as estrelas se apagam e as nuvens se avermelham. É preciso ter passado a noite numa barraca, longe das coisas que importunam e aborrecem, conversado sob as estrelas e sentido algum medo ou apreensão.
É preciso ter um espírito ávido de se libertar e possuir ao menos uma moeda para pagar ao barqueiro do rio.
E é preciso ser livre e ter calma para dizer sim aos hipnóticos olhos coloridos que te observam e te aguardam.

Porque o nascer de um dia pode ser também o alvorecer da imaginação.

Nem sempre tive uma máquina fotográfica nessas ocasiões. Na foto a seguir não tinha uma nuvem, mas eu a desejo e isso é tudo o que importa.

domingo, 30 de maio de 2010

Para entrar na infância

Portão de uma fábrica fechada em Petrópolis, RJ. Maio de 2010

Este é o portão de uma fábrica fechada há muito tempo, transformada em estacionamento. Produzia tecidos antes ainda de o modelo fordista ter se afirmado como dominante no início do século XX. É muito velha. Tento imaginar como seriam os fluxos diários de entrada e saída dos milhares de operários durante o expediente.

Fiz a foto durante a noite, sem tripé, velocidade 1/15, f 5.6, iso 1600. Quis pouca nitidez porque, de alguma, forma trata-se de uma vaga lembrança. Gosto deste prédio desde minha infância, quando andava de ônibus na companhia de minha mãe.
Naquela época, como será que eu pensava?

domingo, 2 de maio de 2010

Geografia sinistra

O demônio decidiu copiar Deus e se tornar onipresente. De seu ventre maligno fez nascer o telefone celular e o espalhou pelos quatro cantos. Álcool, drogas, sexo, nada absorve tanto a atenção dos habitantes do planeta quanto esse aparelhinho de bolso. Ele forja a impressão de independência, de autonomia para se estar em qualquer lugar e ainda assim estar conectado aos outros. Engano, engano, engano, engano: é assim que se chega a uma encruzilhada e vende-se a alma ao capeta.

A telefonia celular depende para sua existência de uma vasta rede de infra-estruturas técnicas espalhadas pelo território. Não há autonomia, em vez disso, dependência. E se o indivíduo encontra o que procura, cada vez mais é ele igualmente encontrado pelos tentáculos do poder. Não está longe o dia em que algo semelhante ao celular vai ser implantado diretamente na testa de cada morador da cidade,da mesma forma que tornozeleiras e pulseiras com localizadores já são parte do cotidiano de muitos condenados americanos.

Uma das principais características da modernidade é a subordinação das pessoas ao mercado, com todos dependendo, para a sua existência material, do gigantesco aparato de produção e de distribuição de bens em que se transformou o espaço. A inovação tecnológica constante transformou-se no motor econômico das sociedades modernas. A tecnicização estendeu-se para todos os níveis de funcionamento dos territórios: desde os corpos burocráticos do Estado, passando pelas estruturas do comércio e chegando as nossas relações privadas.

Diversos são os fatores que explicam a tendência contínua para as populações e os indivíduos aderirem ao tecnicismo. O mais evidente, é a própria infra-estrutura urbana que intermedia todas as relações, seja de que tipo for. Ou por assim dizer, constituem o meio concreto para que, inclusive, o ciberespaço possa se configurar. Assim, por exemplo, uma pessoa que de manhã segue com seu automóvel através de uma via expressa, liga o rádio e descobre a situação do tráfego e as condições do tempo, consulta o mapa acoplado ao GPS e liga para o escritório para avisar de seu provável atraso, está rodeado por instrumentos tecnológicos que o levam a aceitar o tecnicismo.

Essencialmente vivemos em um meio técnico científico e informacional que é o pré-requisito físico para a criação das redes pelas quais fluem nossas múltiplas relações. O território freqüentado pelos homens não é mais o meio natural, disponibilizado pela natureza; tampouco é o meio técnico fruto da mecanização do território e que predominou até a década de 1970, antes da vulgarização dos sistemas informatizados. O meio técnico-científico informacional vai muito além. É constituído por redes que contém, dentre outros equipamentos, cabos, câmeras de vídeo e radares que, além de viabilizarem o fluxo de dados, permitem ainda a produção de informações e o controle sobre tudo o que está circulando pelo território.

As redes tecnológicas criam a subjetividade a partir de sua utilização. O indivíduo adere ao tecnicismo na medida em que usa as novas tecnologias sem qualquer questionamento. Como negar o valor da tecnologia quando os instrumentos técnicos, como o maldito celular, cujo funcionamento desconhecemos são parte cada vez mais de nossas vidas.

Ao adentrar em um prédio de escritórios, pagar as compras em um supermercado através de um cartão de débito, ou realizar uma infinidade de outras operações que estão se tornando cotidianas a todos os que, de uma forma ou de outra, se inserem nas sociedades urbanas, o indivíduo está aceitando o valor das tecnologias. As modificações são tantas que é fácil concordar com a afirmação de que a sociedade atual é a sociedade informacional.

O meio técnico-científico informacional transforma a cultura, o trabalho, o entretenimento e as relações. Namorados estão se conhecendo através de chats ou de agências virtuais; reuniões de trabalho são feitas através de teleconferências; adolescentes se reúnem em lan houses para se divertirem em games virtuais; mensagens curtas são enviadas, a qualquer hora, através dos telefones celulares; compram-se livros e passagens aéreas pela internet e importam-se máquinas fotográficas através do e-comerce internacional.

A passagem do meio técnico para o meio técnico-científico informacional não significa apenas desenvolvimento tecnológico. Tais mudanças estão diretamente associadas às atuais relações do homem com o grupo social no qual se insere. Obviamente, estão também relacionadas com a ascensão do modelo de produção flexível-sistêmico em substituição ao modo fordista de produção. Esta transição modificou o território, que sofreu um processo de cientificização, tecnicização e informacionalização que atende fundamentalmente aos interesses das grandes corporações transnacionais. O meio técnico-científico informacional é a essência da globalização. A instalação desigual das redes sobre os territórios cria diferenciações espaciais, tanto nos países centrais, como nos países periféricos.

Afirmar que as tecnologias modernas estão presentes em todas as partes, encurtando as distâncias e tornando a vida melhor é uma generalização grosseira. Tratam-se de produtos, presentes no mercado e disponíveis mediante a compra. Poucas são as situações em que o poder público disponibiliza de forma ampla os benefícios associados às tecnologias modernas. As próprias infra-estruturas territoriais apresentam-se sobre os territórios de forma muito desigual.

No decorrer do século XX, o pensamento científico conviveu com fracassos e gerou desilusões. Consideramos que as novas tecnologias são necessariamente boas porque facilitam as tarefas do dia a dia e posibilitam novas relações. Mas isto é um erro. Por estamos mergulhados num mundo tecnológico, feito peixes num aquário, não conseguimos perceber as consequências que ocorrem em lugares ou tempos distintos: Exemplos não faltam: os presídios, as favelas, as relações sociais de merda e, é claro, a degradação incontrolável do meio natural.

Será que Oppenheimer, que liderou o projeto Los Alamos e viabilizou a era atômica, tinha um sono tranqüilo?

Provavelmente tinha.

(Era um fdp)