segunda-feira, 25 de junho de 2012

A receita vai dar certo?

Ser humano é ser capaz de fazer diferenciações. Quanto mais diferenciações, maior o grau de evolução. Nada é exatamente o que parece ser, porque a relatividade é o principal pendor de qualquer pessoa. Assim, duas pessoas olham a mesma coisa e veem coisas diferentes. É Física mesmo. Os seres humanos diferenciam-se uns dos outros de acordo com as perspectivas adotadas para a observação e instrumentalização das coisas do mundo. A receita de Deus para fazer o homem é muito interessante, mas parece que algo deu errado, a receita desandou e, ao menos até aqui não está cheirando bem. Desde o século XVI a evolução do conhecimento científico tornou as sociedades europeias dominantes em relação a todas as demais. Todos os povos, em todos os lugares, foram submetidos à lógica do desenvolvimento econômico – capacidade crescente de produção e consumo – que permanece como cada vez mais fundamental em qualquer um dos mais remotos lugares que se possa imaginar. O essencial são as estatísticas.

A cultura europeia, dita ocidental, não se disseminou através do simples contato permitindo uma comparação e a adoção daquelas que seriam as melhores estratégias. Não foram relações amigáveis que a tornaram dominante, foram relações de força. É preciso ter clareza que a cultura ocidental, a visão etnocêntrica do mundo surgiu a partir de relações de poder. Os povos do planeta, um a um, foram obrigados a seguir os pontos de vista ocidental. Misgenação nunca houve, o estupro o saque e a extorsão foram a regra. Tais relações de poder, as vezes se manifestavam de forma direta, pelo extermínio físico, outras através das “missões civilizatórias” como as dos ingleses na África oriental. Mas sempre relações de poder. Vem daí o evolucionismo cultural, o eurocentrismo, e a visão etnocêntrica do mundo, segundo a qual, o adequado para se entender alguém ou a algum grupo é a partir do próprio ponto de vista.

A cultura ocidental festeja a sua plenitude, a modernização está em todas as partes. E os desastres ambientais, econômicos, sociais, familiares e individuais também. Não é necessário muito para se concluir que a civilização ocidental está “adoentada”. Não cabe citar aqui.

Onde está a visão etnocêntrica do mundo? Quem a tem? Ela está em toda a parte, é aquela lastreada num método científico que, desde Descartes, busca essencialmente ampliar a produtividade de todas as coisas, foi incorporada e é extremamente atraente e se manifesta nas menores coisas: “Conecte-se rapidamente a seus amigos, onde quer que você esteja”. Como no jeito facebook de ser, a tecnologia é sedutora. O “melhor amigo” é uma categoria na fronteira do desaparecimento. E, na velocidade das redes sociais, o outro também. Se assim for, apenas amigos curtindo uns aos outros, sem compromisso.

O assunto é problemático, porque o etnocentrismo não é sistêmico, é evolucionista. A evolução econômica, a evolução de uma linha só. Incapaz de perceber que cultura pode ser completa em si mesma, num específico contexto espacial e temporal. Não percebe a importância, a contribuição que um grupo pode ter para outro. Preocupa-se apenas com as partes e desconsidera o todo. Se tivéssemos outro planeta habitável por perto, a coisa toda até seria aceitável dentro de um ponto vista apenas econômico. Mas estamos sozinhos num planeta finito com problemas que se avolumam. Cegueira coletiva ou confiança exagerada na descoberta da dobra espacial.

Mas o pessimismo também é uma categoria eurocêntrica. Para os povos que não se norteiam pelos excedentes, pela produtividade, o mundo faz parte de um universo maior, é cíclico, é espiritual e criativo. O conhecimento do outro, a percepção das diferenças, é fundamental para o resgate da sabedoria, do conhecimento autêntico, aquele que integra os diferentes campos do saber. Integrar, como na visão de Edgar Morin, os saberes globais aos saberes locais e produzir um olhar transdisciplinar. Ser humano é fazer diferenciações, perceber as nuances. Possivelmente as respostas estão bem próximas, necessário apenas uma mudança de perspectiva. A receita, talvez, não esteja errada.

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