domingo, 17 de junho de 2012

METRÓPOLIS


Metropolis é uma cidade futurista (com prédios geniais, engarrafamentos nas ruas e aeronaves disputando os corredores entre os prédios) mas baseada em relações perfeitamente presentes na Europa industrial da década de 1920. Operários vivem em cidades subterrâneas, cinzentas metáforas das fábricas de padrão fordista/taylorista da época. Os donos do poder desfrutam o prazer proporcionado pelo esporte, pelo sol, e desconhecem/desconsideram/fingem não saber o que se passa do outro lado. Desde a Revolução Industrial, a humanidade vive mergulhada em um mundo que é feito para ser tecnológico ou para parecer cada vez mais científico/grandioso/asséptico (a respeito, o interessantíssimo “arquitetura da destruição”, descrevendo a importância da manifestação concreta, arquitetural, para o nazismo).

A humanidade foi mergulhada no mundo tecnológico desde etnocentrismo europeu e sua fixação por construir ferrovias por todas as partes (a missão civilizatória....). Desde então, existe uma cegueira para o óbvio. A tecnologia está acima de tudo, seu valor é indiscutível, sua importância sem medidas. Criticar a tecnologia é como olhar para o sol: ou usamos de instrumentos apropriados, instrumentos metodológicos como os criados por Marx (weber, Durkhein?), ou olhamos para a lua, que reflete a luz do sol com delicadeza – fazemos ficções metafóricas. Metrópolis se encaixa bem.

Metrópolis tem o Freder, filho do dono, que se apaixona por Maria (a Virgem Maria?), a encarnação do bem que consola os operários. Metrópolis tem Rotwang, que cria um robô feito Maria para impedir o que parecia ser uma revolução em curso. Por paradoxal que pareça, é justamente a Maria virginal que impedia a rebeldia. Ninguém aguenta sofrer o tempo todo, o consolo é necessário. Os operários não poderiam estar o tempo todo como na cena da troca de turno, sofrimento estampado na marcha cadenciada, na música triste, no ritmo lento, nas cabeças baixas, na melancolia da magreza. No mínimo, tem que haver o vinho, a prostituição, o jogo, as lutas de faca, a fé sem perguntas - a desordem sob controle. Desde Roma já se sabia da importância do Circo, já se sabia da importância da arquitetura para conquistar o respeito, a admiração – corações e mentes – dos moradores: dominar é criar desejo, é provocar paixão. No filme faz sentido a descrição de tanto sofrimento, o exagero é estratégia cênica. Aliás, marcante em todo o filme os gestos e feições exageradas, apaixonadas de todos os personagens – A falta da voz não faz diferença alguma. Temos aqui o expressionismo alemão em pura evidência.

A melhor cena do filme, a mais rica de significados, é a da alucinação. As que a antecedem mostram o operário/máquina, homens ritmados pelo movimento de eixos e engrenagens; vem então o homem que FALHA, e a explosão da máquina. Freder a imagina como um monstro que come homens, que os cospe se não pode escraviza-los. Pois bem, o método científico é preciso, máquinas não falham. Se tal coisa acontece trata-se necessariamente de um erro humano ou de coisa totalmente fora do comum – diria magia, como um monstro que come homens. Pouco antes, 2012, o Titanic, símbolo magistral da infalibilidade tecnológica, naufragou. Pouco depois, o nazismo foi numa escala maior ainda, a demonstração do que deveria ser a infalibilidade da guerra técnica. Pouquinho em seguida os físicos que tornaram possível a era atômica dormiam o sono dos justos, porque como quase todos os que se dedicam a ciência pela ciência, eram um bando de  cretinos (uma das melhores festas do nono círculo do inferno de Dante, frequentados pelo próprio senhor das trevas, é aquela onde só se convidam os cientistas – por traição:  eles te fizeram acreditar que a tecnologia é sempre boa). A FALHA, nunca é do homem. Ela é inerente a tecnologia: precisão absoluta, margem de erro zero, é cientificamente inalcançável. O que há, são as zonas de tolerância “aceitáveis”. A tecnologia traz em seu ventre, o acidente. Pode demorar, mas vai acontecer. Trens batem, aviões caem, ônibus espaciais explodem, Fukushimas e Chernobils pipocam nos tempos modernos.

Vêm então os operários inundando a cidade subterrânea sob as ordens da Maria Robô. Eles não desconfiam que ela mudou de atitude, que era outra mulher – mulher comprada, falsificada, plastificada. A metáfora é a das maquinas que colocam em risco o futuro do planeta (as suas crianças). Os operários não desconfiam de nada e seguem a farsa. Mas o inverossímel aqui seria se os operários percebessem o erro - qualquer ditador conhece o óbvio: o povo sempre aceitará qualquer coisa que lhe seja dada (o ditador é de plutão, a população é de vênus). No final, conciliação e farsa que segue. Ficaria decepcionado se umaa revolução tivesse se manifestado. Estragaria o filme, que teria se tornado exemplar para a Rússia stalinista (mas Hitler, é claro, o venerava).

Trazendo o tema primazia da tecnologia para os dias de hoje, o filme que melhor representa a tragédia tecnológica é o dos irmãos Wachowski, Matrix – o primeiro. Baudrillard não gostou da comparação, mas acho que é sim um exemplo perfeito da sociedade de controle (a estrutura de poder que evoluiu da sociedade disciplinar descrita neste filme de Fritz Lang), na qual, o homem não é mais vigiado – vigia-se a si mesmo, seduzido que está pelo mundo das coisas tecnológicas. Apenas pilhas de energia orgânica que se contentam em sonhar o tempo todo. Ah, nada como um amor após o outro. O homem é narciso.

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